domingo, 15 de maio de 2016

Whatsapp e Autorização Judicial

O acesso às informações armazenadas em smartphones exige autorização judicial? Quais são os fundamentos jurídicos que explicam essa exigência?  


Whatsapp e acesso às conversas
Nos autos do recurso ordinário em habeas corpus (RHC) de n.º 51.531, o STJ reconheceu a ilegalidade na devassa de dados informáticos decorrentes de conversas de whatsapp´s em smartphone apreendido em uma operação policial que culminou com a prisão em flagrante da paciente. 

Entendeu-se que os dados armazenados em telefone celular estão submetidos à cláusula da reserva jurisdicional de modo que somente o magistrado poderia autorizar quebra do sigilo dessas informações e desde que houvesse a devida necessidade e motivação.  

Esse leading case (precedente) é importante porque traz o enfrentamento de uma problemática que gerava grande insegurança na atuação de agentes responsáveis pela persecução penal, visto que não havia um posicionamento firmado dos tribunais superiores sobre o tema.

Os argumentos principais que sustentaram a tese foram: a inviolabilidade da intimidade, privacidade e imagem, nos termos do art. 5 X da CF.
Art. 5, X - são invioláveis a intimidade, a vida privada, a honra e a imagem das pessoas, assegurado o direito a indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Ponderou-se, ainda, que os smartphones atuais não são simples telefones já que armazenam as mais variadas informações, como por exemplo, troca de e-mails, conversas de aplicativos de mensagens (whatsapp, telegram, Skype, viber etc), as quais são dependem de autorização judicial, nos termos do art. 5, XII da CF
XII - é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo, no último caso, por ordem judicial, nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal ou instrução processual penal;       (Vide Lei nº 9.296, de 1996).
Fundamentou-se no art. 7 do Marco Civil da Internet (Lei de nº 12.965/2014) que assegura a inviolabilidade e sigilo das comunicações privadas armazenadas. 
Art. 7o O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:III - inviolabilidade e sigilo de suas comunicações privadas armazenadas, salvo por ordem judicial;  
O dispositivo assegura proteção não somente a correspondência dos dados informáticos, mas também seu armazenamento em qualquer dispositivo eletrônico, inclusive celulares. Essa dicção condiz perfeitamente com a máxima efetividade dos direitos fundamentais, já que busca ampliar o alcance do texto constitucional.
É exatamente nesse ponto que nasce o tema foco do presente artigo, qual seja, a apreensão de aparelhos de celular encontrados na posse de investigados. Devido ao avanço da tecnologia, o telefone celular tornou-se praticamente indispensável nos dias atuais, possuindo inúmeras funções que vão muito além de uma simples conversa entre os seus usuários. Justamente por isso, esses aparelhos constituem uma fonte enorme de informações que podem auxiliar no esclarecimento de infrações penais.
Através do celular é possível obter a localização de uma pessoa[1], os dados cadastrais do usuário e até o conteúdo de conversações por meio do procedimento de interceptação telefônica. Da mesma forma, é muito comum que aparelhos encontrados na posse de investigados sejam apreendidos e periciados com a finalidade de verificar o conteúdo dos seus registros, tais como chamadas recebidas e efetuadas, agenda telefônica, mensagens, fotos, vídeos etc. O que se discute, nesses casos, é uma possível violação ao direito à intimidade do proprietário do aparelho celular e se a verificação desses registros dependeria de autorização judicial. (SANNINI NETO, 2015)
Corroborando com os argumentos alhures demonstrou-se também a necessidade de autorização judicial para o afastamento do sigilo de correio eletrônico de modo que não seria errôneo afirmar que a proteção constitucional e legal é semelhante a hipótese de acesso às informações do whatsapp.
PROCESSUAL PENAL. HABEAS CORPUS. OPERAÇÃO REVELAÇÃO. CORRUPÇÃO ATIVA. MEDIDAS CAUTELARES DETERMINADAS. AFASTAMENTO DE SIGILO D CORREIO ELETRÔNICO. DURAÇÃO DA CONSTRIÇÃO. PRAZO: DE 2004 A 2014. FUNDAMENTAÇÃO PARA A QUEBRA DO SIGILO DO E-MAIL NO PERÍODO. AUSÊNCIA. PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE. NÃO OBSERVÂNCIA. OFENSA ÀS GARANTIAS CONSTITUCIONAIS. FLAGRANTE ILEGALIDADE. EXISTÊNCIA. ORDEM CONCEDIDA. 1. A quebra do sigilo do correio eletrônico somente pode ser decretada, elidindo a proteção ao direito, diante dos requisitos próprios de cautelaridade que a justifiquem idoneamente, desaguando em um quadro de imprescindibilidade da providência. 2. In casu, a constrição da comunicação eletrônica abrangeu um ancho período, superior a dez anos, de 2004 a 2014, sem que se declinasse adequadamente a necessidade da medida extrema ou mesmo os motivos para o lapso temporal abrangido, a refugar o brocardo da proporcionalidade, devendo-se, assim, prevalecer a garantia do direito à intimidade frente ao primado da segurança pública. 3. Lastreadas as decisões de origem em argumentos vagos, sem amparo em dados fáticos que pudessem dar azo ao procedimento tão drástico executado nos endereços eletrônicos do acusado, de se notar certo açodamento por parte dos responsáveis pela persecução penal. 4. Ordem concedida, com a extensão aos co-investigados em situação análoga, a fim de declarar nula apenas a evidência resultante do afastamento dos sigilos de seus respectivos correios eletrônicos, determinando-se que seja desentranhado, envelopado, lacrado e entregue aos respectivos indivíduos o material decorrente da medida. (HC 315.220/RS, Rel. Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 15/09/2015, DJe 09/10/2015).
Ao final, o magistrado reconheceu a nulidade das provas obtidas através do acesso não autorizado do celular de modo que elas fossem desentranhas dos autos. A ementa da decisão que reconheceu a ilegalidade do acesso não autorizado às conversas do whatsapp em destaque: 
PENAL. PROCESSUAL PENAL. RECURSO ORDINÁRIO EM HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. NULIDADE DA PROVA. AUSÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO JUDICIAL PARA A PERÍCIA NO CELULAR. CONSTRANGIMENTO ILEGAL EVIDENCIADO. 1. Ilícita é a devassa de dados, bem como das conversas de whatsapp , obtidas diretamente pela polícia em celular apreendido no flagrante, sem prévia autorização judicial. 2. Recurso ordinário em habeas corpus provido, para declarar a nulidade das provas obtidas no celular do paciente sem autorização judicial, cujo produto deve ser desentranhado dos autos. (RHC de Nº 51.531, D.J 19/04/2016, MINISTRO NEFI CORDEIRO)
É importante frisar que o simples acesso aos registro das últimas chamadas independe de autorização judicial, uma vez que não há o acesso ao conteúdo das conversas, verbis:
O fato de ter sido verificado o registro das últimas chamadas efetuadas e recebidas pelos dois celulares apreendidos em poder do co-réu, cujos registros se encontravam gravados nos próprios aparelhos, não configura quebra do sigilo telefônico, pois não houve requerimento à empresa responsável pelas linhas telefônicas, no tocante à lista geral das chamadas originadas e recebidas, tampouco conhecimento do conteúdo das conversas efetuadas por meio destas linhas. Ademais, consoante o disposto no art.6°, incisos II e III, do Código de Processo Penal, é dever da autoridade policial apreender os objetos que tiverem relação com o fato, o que, no presente caso, significava saber se os dados constantes da agenda dos aparelhos celulares teriam alguma relação com a ocorrência investigada (HC 66368; Rel. Min. Gilson Dipp).  
 “Ilicitude da prova produzida durante o inquérito policial – violação de registros telefônicos de corréu, executor do crime, sem autorização judicial. 2.1 Suposta ilegalidade decorrente do fato de os policiais, após a prisão em flagrante do corréu, terem realizado a análise dos últimos registros telefônicos dos dois aparelhos celulares apreendidos. Não ocorrência. 2.2 Não se confundem comunicação telefônica e registros telefônicos, que recebem, inclusive, proteção jurídica distinta. Não se pode interpretar a cláusula do artigo 5º, XII, da CF, no sentido de proteção aos dados enquanto registro, depósito registral. A proteção constitucional é da comunicação de dados e não dos dados. 2.3 Art. 6º do CPP.” (SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL, 24/04/2012 SEGUNDA TURMA, HABEAS CORPUS 91.867 PARÁ. RELATOR : MIN. GILMAR MENDES)[1]
Referências bibliográficas 


SANNINI NETO, Francisco . Investigação criminal e os dados obtidos de aparelhos de celular apreendidos, 2015. Disponível em <https://jus.com.br/artigos/40053/investigacao-criminal-e-os-dados-obtidos-de-aparelhos-de-celular-apreendidos/>. Acesso em: 15 de maio. 2016.

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