sábado, 21 de maio de 2016

Indiciamento e o foro por prerrogativa de função



O que é indiciamento? Quais são seus requisitos? É possível o desindiciamento? Pode ocorrer o indiciamento de autoridade detentora de foro por prerrogativa de função?


O indiciamento é um ato administrativo de atribuição exclusiva da Autoridade Policial no qual o suspeito passa a ser o centro das investigações policiais. Encontra-se previsto no art. 2 §6 da Lei 12.830/13, verbis:

Art. 2o  As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.  § 6o  O indiciamento, privativo do delegado de polícia, dar-se-á por ato fundamentado, mediante análise técnico-jurídica do fato, que deverá indicar a autoria, materialidade e suas circunstâncias. 
 No mesmo sentido, são as lições de Mirabete, verbis:
“Indiciamento é a imputação a alguém, no inquérito policial, da prática da infração penal que está sendo apurada. Embora a lei não se refira expressamente a ‘indiciamento’, menciona por várias vezes o ‘indiciado’ (arts. 6º, VIII, IX, 14, 15 etc.). Diante da colheita dos elementos que indicam ser uma pessoa autora do crime, a autoridade deve providenciar seu indiciamento, não constituindo o fato constrangimento ilegal (…). Ao contrário, se não houver indícios razoáveis da autoria, mas mera suspeita isolada, não se justifica o indiciamento.” (MIRABETE, 2006)
Exige-se elementos de informação mínimos quanto à materialidade e autoria para que se concretize o indiciamento, caso contrário, o ato pode se caraterizar como constrangimento ilegal e permitirá o manejo de habeas corpus para combatê-lo.
EMENTA: INQUÉRITO POLICIAL. Indiciamento. Ato penalmente relevante. Lesividade téorica. Indeferimento. Inexistência de fatos capazes de justificar o registro. Constrangimento ilegal caracterizado. Liminar confirmada. Concessão parcial de habeas corpus para esse fim. Precedentes. Não havendo elementos que o justifiquem, constitui constrangimento ilegal o ato de indiciamento em inquérito policial. (HC 85541, Relator(a):  Min. CEZAR PELUSO, Segunda Turma, julgado em 22/04/2008, DJe-157 DIVULG 21-08-2008 PUBLIC 22-08-2008 EMENT VOL-02329-01 PP-00203 RTJ VOL-00205-03 PP-01207)
O desindiciamento é a exclusão da condição de indiciado por ato voluntário ou imposto: a) Voluntário: a própria Autoridade Policial entende que os elementos informativos produzidos durante a investigação não são capazes de concluir pela autoria do delito; b) Imposto: A Autoridade Judiciária determina o desindiciamento em razão da ausência de elementos de informação quanto à materialidade e autoria.




Entende-se que o indiciamento é ato exclusivo da Autoridade Policial, portanto, o Ministério Público e a Autoridade Judiciária não podem realizar o indiciamento, sob pena de coação ilegal. Além disso, o Delegado de Policia não pode ser compelido pelo MP ou Juiz a proceder com o indiciamento, sob pena de usurpação de sua atribuição.
Ementa: HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. CRIME CONTRA ORDEM TRIBUTÁRIA. REQUISIÇÃO DE INDICIAMENTO PELO MAGISTRADO APÓS O RECEBIMENTO DENÚNCIA. MEDIDA INCOMPATÍVEL COM O SISTEMA ACUSATÓRIO IMPOSTO PELA CONSTITUIÇÃO DE 1988. INTELIGÊNCIA DA LEI 12.830/2013. CONSTRANGIMENTO ILEGAL CARACTERIZADO. SUPERAÇÃO DO ÓBICE CONSTANTE NA SÚMULA 691. ORDEM CONCEDIDA. 1. Sendo o ato de indiciamento de atribuição exclusiva da autoridade policial, não existe fundamento jurídico que autorize o magistrado, após receber a denúncia, requisitar ao Delegado de Polícia o indiciamento de determinada pessoa. A rigor, requisição dessa natureza é incompatível com o sistema acusatório, que impõe a separação orgânica das funções concernentes à persecução penal, de modo a impedir que o juiz adote qualquer postura inerente à função investigatória. Doutrina. Lei 12.830/2013. 2. Ordem concedida.

(HC 115015, Relator(a):  Min. TEORI ZAVASCKI, Segunda Turma, julgado em 27/08/2013, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-179 DIVULG 11-09-2013 PUBLIC 12-09-2013)
É possível o indiciamento de detentores de prerrogativa de foro?

Nas investigações policiais de autoridades detentoras de foro por prerrogativa de função exige-se que todos os atos praticados no inquérito policial sejam precedidos de supervisão judicial. Assim, não é possível a instauração de inquérito de ofício pela Autoridade Policial.  Igualmente, o ato de indiciamento pela Autoridade Policial deve ser precedido de autorização judicial.

Em síntese, o detentor da prerrogativa de foro está sujeito ao indiciamento pela autoridade policial, todavia, exige-se autorização judicial. A jurisprudência admite que essa autorização seja dada pelo relator responsável pela investigações policiais, não se exigindo, a manifestação do colegiado.
EMENTA: “HABEAS CORPUS”. GOVERNADOR DE ESTADO. INDICIAMENTO. POSSIBILIDADE. PRESSUPOSTOS LEGITIMADORES. NATUREZA JURÍDICA. ATO ESTATAL NECESSARIAMENTE FUNDAMENTADO QUE SE INCLUI NA ESFERA DE PRIVATIVA COMPETÊNCIA DO DELEGADO DE POLÍCIA (LEI Nº 12.830/2013, ART. 2º, § 6º). MAGISTÉRIO DOUTRINÁRIO. JURISPRUDÊNCIA. INVESTIGAÇÃO CRIMINAL INSTAURADA CONTRA PESSOA DETENTORA DE PRERROGATIVA DE FORO “RATIONE MUNERIS”. INEXISTÊNCIA, MESMO EM TAL HIPÓTESE, DE IMUNIDADE OU DE OBSTÁCULO A QUE SE EFETIVE, LEGITIMAMENTE, ESSE ATO DE POLÍCIA JUDICIÁRIA, DESDE QUE PRECEDIDO DE AUTORIZAÇÃO DO RELATOR DO INQUÉRITO ORIGINÁRIO NO TRIBUNAL COMPETENTE (O STJ, NO CASO). PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. EXISTÊNCIA, NA ESPÉCIE, DE AUTORIZAÇÃO DEVIDAMENTE MOTIVADA DO MINISTRO RELATOR NO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA, QUE ACOLHEU EXPRESSA SOLICITAÇÃO FEITA PELA PRÓPRIA AUTORIDADE POLICIAL. INEXISTÊNCIA DE SITUAÇÃO CONFIGURADORA DE INJUSTO CONSTRANGIMENTO. PUBLICIDADE E PROCESSO JUDICIAL: FATOR DE LEGITIMAÇÃO DAS DECISÕES DO PODER JUDICIÁRIO. “DISCLOSURE” DO NOME DO PACIENTE. LEGITIMIDADE. SISTEMA DEMOCRÁTICO E VISIBILIDADE DO PODER: ANTÍTESE CONSTITUCIONAL AO REGIME DE SIGILO. “HABEAS CORPUS” QUE IMPUGNA DECISÃO MONOCRÁTICA DO RELATOR. NECESSIDADE DE PRÉVIO ESGOTAMENTO DA VIA RECURSAL NO STJ. AUSÊNCIA. INCOGNOSCIBILIDADE DA AÇÃO DE “HABEAS CORPUS”. PRECEDENTES DO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. RESSALVA PESSOAL DA POSIÇÃO DO MIN. CELSO DE MELLO, FAVORÁVEL AO CONHECIMENTO DO “WRIT” CONSTITUCIONAL. OBSERVÂNCIA, NO ENTANTO, DO POSTULADO DA COLEGIALIDADE. “HABEAS CORPUS” NÃO CONHECIDO.


Referência Bibliográfica

MIRABETE, Julio Fabbrini. Código de Processo Penal Interpretado. 11ª ed, Atlas, 2006, p.105.

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