terça-feira, 24 de maio de 2016

Execução provisória da pena e o foro por prerrogativa de função


O que é execução provisória da pena?  Ela é admitida pela jurisprudência? O duplo grau de jurisdição é uma garantia absoluta? É possível a execução provisória da pena em ação penal de competência originária?


O que é execução provisória da pena?


É a possibilidade da execução da pena antes do trânsito em julgado da sentença condenatória. 

Ela é admitida pela jurisprudência?


No HC n. 126.292, o plenário do STF decidiu pela possibilidade da execução imediata da pena fixada em segundo grau de jurisdição, mudando o entendimento até então consolidado da exigência do trânsito em julgado para o início do cumprimento da pena (HC 84078)

Afirmou-se que a execução da sentença após a condenação em segundo grau não ofende o princípio da presunção de inocência. Considerou-se que o postulado da presunção de inocência se refere a fatos e provas. Desse modo, como essa valoração ocorreria tão somente até o segundo grau de jurisdição seria justificado entender que a amplitude do princípio da presunção de inocência somente alcançaria as instâncias ordinárias e não as extraordinárias. 
O domínio mais expressivo de incidência do princípio da não-culpabilidade é o da disciplina jurídica da prova. O acusado deve, necessariamente, ser considerado inocente durante a instrução criminal – mesmo que seja réu confesso de delito praticado perante as câmeras de TV e presenciado por todo o país” (HC 84078, Relator(a): Min. EROS GRAU, Tribunal Pleno, DJe de 26/2/2010).
O acusado é tratado como inocente até que seja proferida decisão condenatória em segunda instância e a partir daí recebe tratamento jurídico de culpado.

Em síntese, os recursos extraordinários (especial e extraordinário) não configuram desdobramentos do dulpo grau de jurisdição já que discutem unicamente matéria de direito. (Ministro Teori Zavascki)
Art. 637.  O recurso extraordinário não tem efeito suspensivo, e uma vez arrazoados pelo recorrido os autos do traslado, os originais baixarão à primeira instância, para a execução da sentença.
Outro apontamento relevante realizado no julgamento do HC de n.º 126.292 é que a utilização dos recursos extraordinários, em algumas oportunidades, se deu com intuitos meramente protelatórios. Isso acontece porque a prescrição é interrompida tão somente com a publicação de acordão condenatória recorrível e não pela sua confirmação da condenação em sede de recurso especial e extraordinário.
Art. 117 - O curso da prescrição interrompe-se: (Redação dada pela Lei nº 7.209, de 11.7.1984)         IV - pela publicação da sentença ou acórdão condenatórios recorríveis; (Redação dada pela Lei nº 11.596, de 2007).
Em síntese, o recurso especial e extraordinário não possuem mais efeito suspensivo, admitindo-se a execução provisória da pena após a condenação ou sua confirmação em segundo grau de jurisdição. 




Pessoalmente, considero os argumentos deduzidos, nos autos do HC 126.292, atraentes, mas o maior óbice a esse entendimento ainda continua a letra da Constituição que deveria ser modificada para admitir a execução provisória da pena antes do trânsito em julgado.
Art. 5 LVII - ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória;
O duplo grau de jurisdição é uma garantia absoluta?

Entende-se que o princípio constitucional do duplo grau de jurisdição não é absoluto, sendo excepcionado pela própria Constituição Federal. Cita-se, como exemplo, os casos de julgamento de autoridades públicas com foro no STF, as quais não podem ter suas decisões reexaminadas, salvo no caso de embargos infringentes. 
AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL PENAL. ALEGAÇÃO DE OFENSA AO ARTIGO 5°, PARÁGRAFOS 1° E 3°, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO E CONVENÇÃO AMERICANA DE DIREITOS HUMANOS. EMENDA CONSTITUCIONAL 45/04. GARANTIA QUE NÃO É ABSOLUTA E DEVE SE COMPATIBILIZAR COM AS EXCEÇÕES PREVISTAS NO PRÓPRIO TEXTO CONSTITUCIONAL. PRECEDENTE. AUSÊNCIA DE VIOLAÇÃO AO PRINCÍPIO DA IGUALDADE. AGRAVO REGIMENTAL IMPROVIDO. 1. Agravo que pretende exame do recurso extraordinário no qual se busca viabilizar a interposição de recurso inominado, com efeito de apelação, de decisão condenatória proferida por Tribunal Regional Federal, em sede de competência criminal originária. 2. A Emenda Constitucional 45/04 atribuiu aos tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos, desde que aprovados na forma prevista no § 3º do art. 5º da Constituição Federal, hierarquia constitucional. 3. Contudo, não obstante o fato de que o princípio do duplo grau de jurisdição previsto na Convenção Americana de Direitos Humanos tenha sido internalizado no direito doméstico brasileiro, isto não significa que esse princípio revista-se de natureza absoluta. 4. A própria Constituição Federal estabelece exceções ao princípio do duplo grau de jurisdição. Não procede, assim, a tese de que a Emenda Constitucional 45/04 introduziu na Constituição uma nova modalidade de recurso inominado, de modo a conferir eficácia ao duplo grau de jurisdição. 5. Alegação de violação ao princípio da igualdade que se repele porque o agravante, na condição de magistrado, possui foro por prerrogativa de função e, por conseguinte, não pode ser equiparado aos demais cidadãos. O agravante foi julgado por 14 Desembargadores Federais que integram a Corte Especial do Tribunal Regional Federal e fez uso de rito processual que oferece possibilidade de defesa preliminar ao recebimento da denúncia, o que não ocorre, de regra, no rito comum ordinário a que são submetidas as demais pessoas. 6. Agravo regimental improvido. (AI 601832 AgR, Relator(a):  Min. JOAQUIM BARBOSA, Segunda Turma, julgado em 17/03/2009, DJe-064 DIVULG 02-04-2009 PUBLIC 03-04-2009 EMENT VOL-02355-06 PP-01129 RSJADV jun., 2009, p. 34-38 RT v. 98, n. 885, 2009, p. 518-524)
O duplo grau de jurisdição obrigatório não se aplica às decisões nas ações penais de competência originária dos Tribunais (HC n. 21.072/RS, Rel. Ministro José Arnaldo da Fonseca, DJ 5/8/2002).
Há ainda outro entendimento no sentido que o duplo grau de jurisdição não é a rigor um princípio com sede constitucional, já que a própria legislação infraconstitucional o excepciona em diversos momentos.
ACÓRDÃO QUE, EM AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA, CONDENOU O RECORRENTE COM BASE NA PROVA DOS AUTOS. PRETENSÃO DE REEXAME DA MATÉRIA DE FATO. DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO. Questão insuscetível de ser apreciada ante a impossibilidade de reexaminar-se em sede extraordinária a matéria de fato, ainda que em processo criminal de competência originária do Tribunal de Justiça, não sendo o duplo grau de jurisdição uma garantia constitucional (RHC 79.785, Rel. Min. Sepúlveda Pertence). Agravo regimental desprovido. (AI n. 248.761/RJ, Rel. Ministro Ilmar Galvão, DJ 22/6/2006, destaquei).
É possível a execução provisória da pena em ação penal de competência originária?

Em outras palavras, proferida decisão pelo STF ou STJ em ação penal de competência originária contra um deputado federal ou governador, respetivamente, poderia ser decretada a prisão imediatamente do agente político?

O STJ entendeu que sim, verbis:
DIREITO PROCESSUAL PENAL. EXECUÇÃO PROVISÓRIA DE PENA EM AÇÃO PENAL ORIGINÁRIA.
É possível a execução provisória de pena imposta em acordão condenatório proferido em ação penal de competência originária de tribunal. Inicialmente, ao que tudo está a indicar, a decisão proferida pela composição plena do STF no HC 126.292-SP (julgado em 17/2/2016, ainda não publicado) sufragou pensamento de que o direito é disciplina prática, necessariamente ancorada na realidade. Deveras, em diversos pontos dos votos dos eminentes Ministros que participaram da sessão, assinalou-se, como móvel para a referida guinada jurisprudencial, a gravidade do quadro de "desarrumação" do sistema punitivo brasileiro, máxime por permitir a postergação da definição do juízo de condenação, mercê dos inúmeros recursos previstos na legislação processual penal. Diante dessa pletora de meios impugnativos, que engendra, a cada instância inaugurada no curso processual, uma infindável reapreciação dos mesmos temas já anteriormente debatidos, a Suprema Corte acabou assumindo, na dicção de Ministro daquela Corte, "papel decisivo nessa rearrumação". Em verdade, a possibilidade de prisão após a condenação em segunda instância, quando se esgota a análise dos fatos e das provas, é coerente com praticamente todos os tratados e convenções internacionais que versam direitos humanos. Atenta-se, ainda, à previsão contida no art. 283 do CPP ("Ninguém poderá ser preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada da autoridade judiciária competente, em decorrência de sentença condenatória transitada em julgado ou, no curso da investigação ou do processo, em virtude de prisão temporária ou prisão preventiva"), cuja redação dada pela Lei n. 12.403/2011 veio encampar a jurisprudência até então consolidada do STF, no sentido de que toda prisão, antes do trânsito em julgado, teria natureza cautelar. Ora, é fato que a redação desse artigo encontra sua essência no princípio constitucional da presunção de não culpabilidade. Logo, se o próprio Pretório Excelso, ao interpretar esse princípio constitucional, entendeu pela possibilidade de execução provisória da pena após a prolação de acórdão condenatório, não se verifica como uma interpretação a regra infraconstitucional possa contraditar o alcance de sentido que foi emprestado ao princípio que dá sustentação a essa própria regra infraconstitucional, porquanto, sob a perspectiva kelseniana, as normas inscritas na Carta Maior se encontram no topo da pirâmide normativa, à qual todo o sistema jurídico deve se conformar. Diante disso, não há como pretender que sejam sobrepostas a interpretação e o alcance do art. 283 do CPP à espécie, de modo a afastar o entendimento manifestado pelo STF, porquanto, ao fim e ao cabo, as normas infraconstitucionais é que devem se harmonizar com a Constituição, e não o contrário. A compreensão externada pelo Supremo, por ocasião do julgamento do HC 126.292-SP, poderia ser resumida na conclusão de que o recurso especial, tal como o recurso extraordinário, por ser desprovido de efeito suspensivo, não obsta o início da execução provisória da pena, sem que isso importe em inobservância ao princípio da não culpabilidade, porquanto "o acusado foi tratado como inocente no curso de todo o processo ordinário criminal, observados os direitos e as garantias a ele inerentes, bem como respeitadas as regras probatórias e o modelo acusatório atual. Não é incompatível com a garantia constitucional autorizar, a partir daí, ainda que cabíveis ou pendentes de julgamento de recursos extraordinários, a produção dos efeitos próprios da responsabilização criminal reconhecida pelas instâncias ordinárias" (excerto de voto de Ministro daquela Corte). Como o mencionado acórdão ainda não foi publicado, é possível que ele venha a ser integrado e modelado, de modo a fornecer elementos mais precisos e objetivos para se saber, efetivamente, a partir de qual momento poderá ser autorizado o início da execução da pena, confirmada (ou imposta) em acórdão condenatório. Contudo, isso não implica afastar a possibilidade de o julgador, dentro de seu inerente poder geral de cautela, atribuir, no exercício da jurisdição extraordinária, efeito suspensivo ao REsp ou RE e, com isso, obstar a execução provisória da pena. Isso seria possível, por exemplo, em situações excepcionais, nas quais estivesse caracterizada a verossimilhança das alegações deduzidas na impugnação extrema, de modo que se pudesse constatar, à vol d'oiseau, a manifesta contrariedade do acórdão com a jurisprudência consolidada da Corte a quem se destina a impugnação. Por fim, é necessário se ressaltar que nenhum acréscimo às instituições e ao funcionamento do sistema de justiça criminal resulta da não vinculação de magistrados à clara divisão de competências entre os diversos órgãos judiciários, com base na qual cabe ao STJ a interpretação do direito federal e ao STF a interpretação da CF, motivo pelo qual se deve dar efetivo e imediato cumprimento à nova interpretação dada, pelo STF, aos limites e ao alcance da presunção de não culpabilidade (art. 5º, inc. LVII). EDcl no REsp 1.484.415-DF, Rel. Min. Rogerio Schietti Cruz, julgado em 3/3/2016, DJe 14/4/2016.
Em resumo, os argumentos são: 

a) Inexistência do duplo grau de jurisdição em ações penais originárias; 

b) Possibilidade de execução provisória da pena nos casos em que não haja recursos com efeito suspensivoNas ações penais originárias não cabe o recurso de apelação ou recurso em sentido estrito, mas tão somente recursos extraordinários em sentido amplo (especial e extraordinário).

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