É regra geral no direito civil brasileiro
que o causador de um dano a outra pessoa tem a obrigação de repará-lo
por meio de indenização. Se a ofensa tiver mais de um autor, todos
responderão solidariamente pela reparação. Mas quando o verdadeiro
culpado pelo dano é alguém que não foi atingido na ação de indenização,
contra ele cabe a chamada ação regressiva.
Com o estado não é
diferente. O artigo 37, parágrafo 6º, da Constituição Federal estabelece
que “as pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado
prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus
agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de
regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa”.
O
Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem diversas decisões sobre o tema,
nas áreas do direito público e privado. Firmou jurisprudência, entre
outras questões, sobre a obrigatoriedade de o verdadeiro culpado figurar
na ação de indenização; se é possível a regressiva quando o processo
termina em acordo, e sobre como tratar o servidor público responsável
por um dano reparado pelo erário.
Erro médico
Em
uma ação de indenização por erro médico, o estado do Rio de Janeiro
tentou incluir no processo – o que se denomina denunciação da lide – os
responsáveis pelo erro que provou a morte da paciente em hospital
público. O pedido foi negado pela Primeira Turma.
O STJ entende
que a denunciação da lide a servidor público nos casos de indenização
fundada na responsabilidade civil objetiva do estado não deve ser
considerada obrigatória, pois geraria grande prejuízo ao autor da ação
devido à demora na prestação jurisdicional.
Art. 37 § 6º - As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
I - ao alienante, na ação em que terceiro reivindica a coisa, cujo domínio foi transferido à parte, a fim de que esta possa exercer o direito que da evicção Ihe resulta;Art. 70. A denunciação da lide é obrigatória:
II - ao proprietário ou ao possuidor indireto quando, por força de obrigação ou direito, em casos como o do usufrutuário, do credor pignoratício, do locatário, o réu, citado em nome próprio, exerça a posse direta da coisa demandada;
III - àquele que estiver obrigado, pela lei ou pelo contrato, a indenizar, em ação regressiva, o prejuízo do que perder a demanda.
Esse entendimento
evita que no mesmo processo, além da discussão sobre a responsabilidade
objetiva, seja necessário verificar a responsabilidade
subjetiva do causador do dano. Essa segunda análise, segundo os
ministros, é irrelevante para o eventual ressarcimento do autor.
A
decisão ressalta que o direito de regresso do ente público em relação
ao servidor, nos casos de dolo ou culpa, é assegurado pelo artigo 37,
parágrafo 6º, da CF, que permanece inalterado ainda que a denunciação da
lide não seja admitida (REsp 1.089.955).
Erro médico em hospital privado
Condenada
a indenizar um paciente por dano moral, no valor de R$ 365 mil, a
Unimed Brasília Cooperativa de Trabalho Médico ajuizou ação regressiva
contra o médico responsável pelo erro. A Justiça do Distrito Federal
julgou a ação procedente, por entender que ficou comprovada a culpa do
médico pelo dano causado.
O médico recorreu ao STJ,
alegando cerceamento de defesa porque não houve denunciação da lide na
ação de indenização contra o hospital, de forma que não teria tido a
chance de se defender. Argumentou que a falta de denunciação da lide
inviabiliza a ação de regresso contra ele.
Para a Quarta Turma,
está correta a decisão da Justiça distrital, que reconheceu a
desnecessidade de denunciação da lide ao médico. Segundo a
jurisprudência do STJ, a responsabilidade do hospital pelos danos
causados por profissional que nele atua é objetiva, ou seja, independe
de dolo ou culpa. O dever de indenizar decorre apenas da existência do
dano. Uma vez condenado, o hospital pode averiguar a responsabilidade
subjetiva do médico, ou seja, sua culpa, em ação de regresso.
Quanto
ao prazo de prescrição da ação regressiva, a decisão ressalta que
prescreve em três anos a pretensão de reparação civil e que, em caso de
ação de regresso por quem reparou o dano contra o seu efetivo causador,
esse prazo começa a contar do pagamento da indenização (AResp 182.368).
Art. 206. Prescreve:
§ 3o Em três anos:
V - a pretensão de reparação civil;
Furto de veículo
Quando
o veículo é segurado, não há dúvida: a seguradora contratada pelo
consumidor tem que indenizá-lo por furto ou roubo. Mesmo se o furto
tiver ocorrido dentro de garagem. Nas relações de consumo, onde valem as
regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC), o STJ entende que é
proibida a denunciação da lide em todas as hipóteses de ação de
regresso, conforme estabelece o artigo 88 do código.
Num caso
assim, julgado pela Terceira Turma, depois de pagar a indenização, a
seguradora ajuizou ação regressiva contra o estabelecimento garagista,
que também tinha seguro.
Na decisão de primeiro grau, a
regressiva foi julgada procedente e o dono do estacionamento teve e
ressarcir, com correção monetária, os R$ 42,5 mil pagos pela seguradora.
Na apelação, o Tribunal de Justiça de São Paulo julgou a ação
improcedente por enteder que se tratava de caso fortuito que determina a
não incidência da responsabilidade civil.
A Terceira Turma
restabeleceu a sentença. Para os ministros, “não há como considerar o
furto ou roubo de veículo causa excludente da responsabilidade das
empresas que exploram o estacionamento de automóveis, na medida em que a
obrigação de garantir a integridade do bem é inerente à própria
atividade por elas desenvolvida” (Resp 976.531).
Acordo judicial
Ação
de indenização concluída com acordo judicial permite à parte pagadora
ajuizar ação regressiva para ter o valor restituído pelo efetivo
responsável pelo dano. Para a Terceira Turma, a transação homologada
judicialmente tem os mesmos efeitos de uma sentença judicial.
A
questão foi discutida num recurso especial da Vega Engenharia Ambiental
contra decisão que beneficiou a Viação Canoense – Vicasa, do Rio Grande
do Sul. De acordo com o processo, o motorista de um caminhão de lixo da
Vega desrespeitou a sinalização de trânsito e atingiu um ônibus da
Vicasa, provocando acidente de grandes proporções. Muitas vítimas
ajuizaram ações de indenização contra a empresa de transporte, que fez
acordos judiciais e, depois, buscou o ressarcimento.
Segundo a
decisão do STJ, na ação de regresso, o acordo funciona como limite da
indenização a ser paga, mas não vinculará o responsável final, que pode
discutir todas as questões tratadas no processo anterior que estabeleceu
a indenização (REsp 1.246.209).
Extravio de bagagem
Depois
de indenizar uma passageira que tinha seguro de viagem e teve a bagagem
extraviada, a Bradesco Seguros ingressou com ação regressiva contra a
Varig Logística, responsável pelo extravio. A Justiça de São Paulo
condenou a companhia aérea a pagar o valor integralmente desembolsado
pela seguradora.
A Varig recorreu ao STJ contra essa decisão,
que acabou sendo mantida. De acordo com a jurisprudência da Corte
Superior, depois de arcar com a indenização securitária, a seguradora
assume os direitos da segurada, podendo buscar o ressarcimento do que
gastou, nos mesmos termos e limites assegurados à consumidora.
A
Varig queria a aplicação da Convenção de Varsóvia, que unifica as
regras de transporte aéreo internacional, inclusive trazendo valores das
indenizações. Contudo, já está consolidada no STJ a tese de que o
tratado é inaplicável no caso de responsabilidade do transportador aéreo
pelo extravio de carga. A regra válida é o CDC (Resp 1.181.252).
Carga em navio
Como
visto, o STJ entende que, havendo o pagamento da indenização
securitária, a seguradora sub-roga-se nos direitos e ações que seriam do
segurado contra o autor do dano, inclusive com aplicação do CDC.
Porém,
esse tratamento não se aplica ao transporte de mercadoria acertado
entre o transportador e a empresa que agrega essa mercadoria à sua
atividade. A relação aí não é de consumo, mas sim comercial.
Nessa hipótese, é de um ano o prazo para que a seguradora ajuíze ação de regresso contra a transportadora visando ao ressarcimento pela perda da carga.
Nessa hipótese, é de um ano o prazo para que a seguradora ajuíze ação de regresso contra a transportadora visando ao ressarcimento pela perda da carga.
Dessa forma, a Quarta Turma considerou prescrita ação
regressiva ajuizada pela AGF Brasil Seguros contra a Mediterranean
Shipping Company, que entregou com avaria máquinas de costura
industriais importadas dos Estados Unidos. A carga foi molhada.
Reformando decisão da Justiça do Rio de Janeiro, a Turma afastou a
aplicação do CDC e julgou a ação regressiva extinta por prescrição (Resp
1.221.880).
Razoável duração do processo
A
denunciação da lide é muito utilizada pelos demandados em ações de
indenização, na tentativa de evitar o pagamento e posteriormente buscar o
ressarcimento pelo efetivo responsável pelo dano em uma ação
regressiva. Contudo, frequentemente esse pedido é negado em atendimento
ao princípio da razoável duração do processo, previsto no artigo 5,
inciso LXXVIII, da CF.
A tese foi aplicada no julgamento de um
recurso especial no qual se buscava a denunciação da lide à União. A
ação inicial é de indenização por evicção – perda, parcial ou total, de
um bem por reivindicação judicial do verdadeiro dono ou possuidor. Foi
ajuizada por mulher que comprou um veículo BMW usado.
Ao tentar
vender o carro, foi impedida por existirem restrições no Detran, por
conta de irregularidades na importação do automóvel. Ela descobriu que o
carro circulava por força de liminar deferida em mandado de segurança
impetrado pela empresa importadora. O processou terminou com
indeferimento do pedido e com a revogação da liminar. O carro teve que
ser entregue à Receita Federal.
Na ação de indenização contra a
pessoa que lhe vendeu o carro, a mulher pediu a restituição de R$ 24
mil, valor pago pelo veículo em 2003. Tiveram início sucessivos pedidos
de denunciação da lide, pois antes de ser da autora da ação, o carro
passou pelas mãos de outros quatro proprietários.
O recurso
analisado pelo STJ é do primeiro comprador. Ele pretendia a denunciação
da lide à União, tendo em vista que a empresa importadora é insolvente
devido a diversas execuções fiscais que responde perante a Justiça
Federal. Alegou ser necessária a participação da União e sua condenação
solidária com a empresa importadora, pois teria realizado apreensão
ilícita, causando danos a terceiros.
Processo principal
O
pedido foi negado pela Justiça estadual, o que motivou o recurso ao
STJ, requerendo que o caso fosse analisado pela Justiça Federal, por
força do que determina a Súmula 150 da Corte Superior: “Compete à
Justiça Federal decidir sobre a existência de interesse jurídico que
justifique a presença, no processo, da União, suas autarquias ou
empresas públicas.”
A Terceira Turma não aplicou a súmula ao
caso. Os ministros entenderam que o litígio contra a União é demanda
acessória, que deve ser enfrentada em ação autônoma. Para eles, a
eventual ilicitude da apreensão do veículo e a legalidade dos atos do
ente federal são temas que fogem totalmente ao interesse da ação
principal, onde se discute apenas a ocorrência da evicção, pela validade
dos negócios jurídicos de compra e venda entre as partes.
Os
ministros priorizaram o maior interesse do processo principal e do
direito fundamental das partes a um processo com razoável duração. A
decisão ressalta que a denunciação da lide só se torna obrigatória, na
forma do artigo 70 do Código de Processo Civil, na hipótese de perda do
direito de regresso, o que não é a situação do caso julgado (AgRg no
Resp 1.192.680).
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